Pesquisa

A evolução recente da conjuntura socioeconômica na África subsaariana costuma ser interpretada em termos duais, opondo a ideia da emergência do continente ao postulado da persistência de uma maldição secular travando seu desenvolvimento. A natureza da expansão econômica do período 2000/2014, que beneficiou em primeiro lugar os países exportadores de recursos naturais, confirmaria a modalidade histórica de inserção na Divisão Internacional do Trabalho pautada no comércio externo de um pequeno número de bens, não ou pouco processados, cuja demanda aumentou muito nas últimas duas década sob o efeito da expansão econômica dos países emergentes. Os efeitos da crise aberta pelo novo ritmo de expansão da economia chinesa e dos países emergentes a partir de 2014 e a consequente diminuição do consumo e do preço das commodities nos mercados mundiais validariam, ao contrário, a tese de um continente impossibilitado de operar transformações estruturais em prol do seu desenvolvimento e do bem-estar de suas populações.

Por outro lado, a tese da emergência da África postula que após as décadas perdidas de 1980-90, marcadas pela crise econômica, pelos impactos sociais dos programas de ajuste estrutural, pela sucessão de secas, pelo agravamento do cenário geopolítico etc., o crescimento econômico sustentado, o saneamento da dívida, a consolidação dos mercados domésticos, a expansão da classe média, as possibilidades abertas pela revolução numérica ilustram uma nova conexão da África subsaariana aos fluxos da globalização benéfica ao continente.

Uma corrente, ainda minoritária, propõe uma leitura intermediaria da atual conjuntura, considerando que as dinâmicas socioeconômicas próprias às sociedades africanas e a crescente inserção da África na mundialização podem abrir janelas de oportunidades para o desenvolvimento. Destaca-se a magnitude das transformações, às vezes subestimadas, das décadas passadas: consolidação do Estado-nação em condições frequentemente adversas; progressos da democratização da vida política; descentralização das estruturas de poder; surgimento e consolidação do papel da sociedade civil, das ONGs nacionais e internacionais; investimentos em infraestruturas de comunicação; maior acesso às novas tecnologias etc. A vitalidade das redes mercantis transnacionais e informais merece também ser destacada. A expansão dos mercados de consumo domésticos sob o efeito do crescimento populacional (dividendo demográfico) e da consolidação da classe média urbana; a aceleração da urbanização; a crescente mobilidade da população ou a revolução numérica abririam espaços de bifurcação para os países africanos que inovam na construção de projetos de desenvolvimento pautados na diversificação dos tecidos produtivos, na integração regional e na valorização da cidadania.

O projeto científico do grupo de estudos e pesquisas Espaços e sociedades na África subsaariana insere-se, assim, neste novo cenário econômico, político e geopolítico que, entre permanências e mutações, questiona as possibilidades de uma transformação estrutural multidimensional nessa região do mundo.