Eixo 1 – Recursos, atores e espaços do desenvolvimento na África subsaariana

Coordenador:
Frédéric
MONIÉ (Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil)

Pesquisadores:
Frédéric MONIÉ
(Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil)
Albino EUSEBIO (Pesquisador – GeoÁfrica, Beira, Moçambique)
Mussá Abdul REMANE (Professor na Universidade Save, Moçambique)
Geraldo SOTEIRA (Doutorando em Geografia, Universidade Pedagógica de Maputo, Moçambique)
Maíra de Pinho LUDWIG (Mestranda em Geografia, Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil)

No período 2000/14, o ritmo de crescimento das economias africanas foi, em média, superior às taxas registradas no resto do mundo. O dinamismo econômico foi, em grande parte, alimentado pelo aumento da demanda e do preço das principais matérias primas nos mercados mundiais que proporcionou uma forte elevação da renda das exportações e do ritmo de crescimento econômico de países exportadores de hidrocarbonetos, minérios e bens agrícolas.
A natureza da expansão recente das economias africanas, dependente da demanda por recursos primários dos países emergentes, suscita, inúmeros questionamentos na medida em que o super ciclo das commodities dos anos 2000 teria consolidado o padrão histórico de inserção da África subsaariana na Divisão Internacional do Trabalho (DIT), como produtora e exportadora de gêneros agrícolas e de matérias primas.
Neste contexto, os debates atuais sobre a relação entre disponibilidade de recursos naturais e desenvolvimento são enriquecidos por uma renovação das teorias, das abordagens e dos métodos de investigação. Estudos de economia política do desenvolvimento, ciência política, sociologia política, geografia econômica etc. apontam, com bases em noções e conceitos complementares como “doença holandesa”, “paradoxo da abundância”, “maldição dos recursos naturais”, “economias e regimes de renda” etc., que a fartura de recursos naturais teve historicamente impactos globalmente negativos sobre as economias, as sociedades e os espaços dos países periféricos.
Essa tese seria validada pelo fato que o rápido crescimento econômico dos países exportadores de commodities não foi revertido em trajetórias desenvolvimentistas. Os impactos da diminuição do preço de algumas matérias primas sobre os mesmos países desde 2014 (recessão, endividamento externa, queda do investimento etc.) sinalizariam a persistência da dependência em relação as dinâmicas cíclicas dos mercados internacionais. No entanto, a conjuntura do período 2000/2014 apresenta singularidades em relação a história econômica do continente e levanta uma série de questionamentos de diversas ordens.
O primeiro questionamento diz respeito a crescente mobilização da sociedade civil em prol do uso transparente das rendas das exportações e da adoção de códigos de mineração menos favoráveis as multinacionais. O protagonismo da população e das ONGs nacionais e internacionais pode estimular a adoção de quadros regulatórios e de políticas macroeconômicas mais favoráveis ao desenvolvimento? Ou, ao contrário, as estruturas de poder exógenas e endógenas terão a capacidade de perpetuar economias de renda garantindo seus privilégios econômicos, políticos e geopolíticos?
Outro debate diz respeito os efeitos espaciais dos sítios extrativistas, da agricultura de renda e dos corredores de transporte, tradicionalmente analisados em termos de polarizações, enclaves ou ilhas de modernidade, conectividade aos mercados mundiais, efeito-túnel etc. no bojo de um debate mais amplo sobre fragmentação e integração espacial. No entanto, as interações das atividades extrativistas e das infraestruturas de transporte com o espaço e a sociedade locais se inscrevem em contextos históricos e geográficos diferenciados. A compreensão e o estudo dessas interações requerem, em primeiro lugar, a identificação e a análise dos atores externos e internos, das relações de força entre eles, a análise de suas estratégias e escalas de ação. As regiões produtoras de commodities apresentam um padrão homogêneo de organização do espaço? Ou estamos, ao contrário, diante de trajetórias espaciais diferenciadas marcadas pelo desenvolvimento das regiões valorizando localmente seus recursos, beneficiando-se da proximidade de centros de consumo urbanos em expansão servidos por uma malha circulatória mais densa e da formação de mercados nacionais?
A emancipação em relação a um modelo de acumulação pautado quase exclusivamente na produção e exportação de bens não ou pouco processados levanta, enfim, debates relativos à formulação de políticas públicas de desenvolvimento heterodoxas valorizando as dinâmicas socioeconômicas que abrem atualmente janelas de oportunidades para os países africanos. Os efeitos do dividenda demográfico; da aceleração da urbanização; da emergência de uma nova classe média, a maior difusão de novas tecnologias da informação e da comunicação, a formação de blocos regionais mais integrados ou a descentralização política podem alavancar uma ruptura com o modelo primário exportador vigente na maioria dos países? Ou o potencial de integração das economias e dos espaços, que reflete dinâmicas endógenas, é ainda limitado por relações cidade/campo e interurbanas insuficientemente estruturadas, por fluxos transfronteiriços formais ainda pouco desenvolvidos, por um adensamento demográfico ainda incipiente ou pelo ainda muito baixo nível de integração e a diversificação dos tecidos produtivos na maioria dos países?

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