Eixo 2 – Populações, circulações e dinâmicas espaciais

Coordenação:
José GUAMBE (Professor, Universidade Pedagógica de Maputo, Moçambique)

Pesquisadores:
José GUAMBE (Professor, Universidade Pedagógica de Maputo, Moçambique)
Alice Abdala OMAR (Professora da Universidade Rovuma, Moçambique)
Frédéric MONIÉ (Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil)
Antônio GOMES (Doutorando, Programa de Pós-graduação em Geografia Humana, Universidade de São Paulo, Brasil)
Luana LESSA (Doutoranda, Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil)
Nelson CORTES PACHECO JÚNIOR (Doutorando, Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, Brasil)
Mariana de OLIVEIRA DOS SANTOS (Mestranda, Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil)
Bruno SOARES (Graduando, Departamento de Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil)
Emanuel RUNGO (Pesquisador IC do GeoÁfrica, Maputo, Moçambique)
Hélio Paulo LOMBENE (Pesquisador IC do GeoÁfrica, Maputo, Moçambique)

As sociedades africanas são atravessadas por mudanças multidimensionais em diversas escalas. A África subsaariana experimenta, em primeiro lugar, uma das maiores transformações demográficas da história da Humanidade. Sua população foi multiplicada por cerca de dez ao longo do século XX e o ritmo de crescimento demográfico permanece hoje superior à média mundial. Porém, a crescente disparidade das situações regionais e nacionais permite identificar uma inserção diferenciada no regime de transição demográfica entre países mais avançados neste processo (em particular na África austral) e sociedades caracterizadas por elevadas taxas de natalidade, fecundidade e mortalidade (sobretudo no Sahel). Da mesma maneira, as densidades populacionais variam muito no continente. Apesar disso, a África subsaariana é considerada subpovoada quando levamos em consideração a relação população/terras agricultáveis.
Os desafios demográficos são diversos. No campo econômico, o aumento dos rendimentos agrícolas é imprescindível para garantir a segurança alimentar. Para se beneficiar do dividendo demográfico e dos efeitos potencialmente positivos do aumento do número de ativos, a geração de empregos formais e/ou remunerados constitui um desafio maior, em particular nas cidades. A superação do padrão de acumulação de cunho extrativista, mais intensivo em capital do que em mão-de-obra, que caracteriza a maioria das economias nacionais, é condição essencial para a oferta de empregos, serviços e equipamentos públicos de qualidade e para a construção de mercados domésticos que diminuem a dependência em relação as exportações de recursos naturais.
No campo ambiental, o crescimento demográfico pode representar uma pressão maior sobre a base de recursos em áreas rurais fragilizadas por fenômenos como a desertificação (Sahel) e em espaços urbanos submetidos a um forte aumento dos níveis de diversos tipos de contaminações. O acesso ao saneamento ambiental é uma variável central do desenvolvimento humano das sociedades africanas. Num nível mais macro, essas questões merecem serem contextualizados no cenário de mudanças climáticas globais que afetam a África num grau inversamente proporcional a sua contribuição às emissões de gases de efeito estufa.
As mudanças contemporâneas são também relacionadas a aceleração do ritmo da urbanização. A África subsaariana apresenta diversas particularidades. A população urbana cresce substancialmente sem que o movimento seja acompanhado por uma diminuição da população rural, considerando o elevado nível do crescimento demográfico em espaços rurais. Outra característica é ausência de uma fronteira claramente delimitada entre cidade e campo. Sistemas migratórios locais e regionais entre espaços ditos urbanos e rurais geram processos de territorialização bastante fluidos em função da multi-ocupação sazonal. As circulações de trabalhadores e de bens envolvendo grandes aglomerações, cidades médias e pequenas e espaços rurais apresentam, portanto, um elevado nível de complexidade. Por outro lado, a expansão do tecido urbano das metrópoles em direção ao campo explica, também, que a tradicional fronteira urbano/rural seja cada vez mais contestada pelas dinâmicas espaciais em curso.
Mais uma singularidade reside no fato, frequente em países do Sul, que a urbanização não foi historicamente associada à um processo de industrialização. A dificuldade das economias urbanas de oferecer empregos, infraestruturas e redes públicas à juventude é um dos maiores complexos desafios que a África subsaariana precisa equacionar no contexto de atual aceleração do ritmo da urbanização.
Neste sentido, a vitalidade dos circuitos inferiores da economia urbana (Milton Santos) pode ser analisada em termos de mecanismos garantindo uma relativa paz social e segurança alimentar nas grandes aglomerações, mas, também, através dos espaços de acumulação que ela propicia para milhões de indivíduos. As pesquisas sobre redes mercantis transnacionais evidenciam que, para além das análises do processo de globalização pelo prisma dos atores hegemônicos, uma mundialização discreta (Pliez) estrutura espaços de circulação multi-escalares, de armazenagem e de distribuição extremamente dinâmicos. Neste contexto, as interações transnacionais de curto e médio alcance constituem um campo de investigação bastante fértil para a geografia e outras ciências sociais.
Tanto às margens das metrópoles quanto na periferia dos territórios nacionais, as interfaces constituem em diversas escalas, espaços de construção de estratégias de desenvolvimento articulando circuitos inferiores e superiores, métricas mundiais e locais, urbano e rural, esferas mercantis e não mercantis, desterritorialização e reterritorialização.

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