Eixo 3 – Sistemas regionais de crises na África subsaariana

Coordenadores:
Vivian SANTOS da SILVA (Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil)
Frédéric MONIÉ (Professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil)

Pesquisadores:
Frédéric MONIÉ (Professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil)
Hagira Naide GELO MACHUTE (professora ESCN, Maputo Moçambique)
Vivian SANTOS da SILVA (Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil)
Érica Crisália BANZE (Graduada pela Universidade Joaquim Chissano, Maputo, Moçambique)
Fernanda RANGEL (Graduanda do curso de Defesa e gestão estratégica, UFRJ)
Gabrielle RODRIGUES DE MOURA (Graduanda do curso de Defesa e gestão estratégica internacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil)

O fim da guerra fria abriu, no início dos anos 1990, perspectivas de paz para o continente africano. Mas, se o novo contexto internacional facilitou a resolução de alguns conflitos e guerras civis (República sul africana, Angola, Moçambique), observamos, por outro lado, uma agravação da situação geopolítica em algumas regiões da África, que culminou com o genocídio dos Tutsis no Ruanda, as guerras na República Democrática do Congo (RDC), na Libéria e em Serra Leoa. Frequentemente adjetivados como étnicas e bárbaras, essas guerras de um novo tipo são, ao contrário, caracterizadas pela complexidade de suas causas, características e de seus impactos, pela sua multidimensionalidade e por uma complexa articulação entre escalas geográficas e temporais. Estudiosos apontam, assim, a emergência de novos conflitos definidos como conflitos internos, de porte limitado, que não colocam em risco os grandes equilíbrios internacionais. Eles são, portanto, apreendidos como conflitos de baixa intensidade (“low intensity conflicts”), apesar de seu custo humano e de seu poder desestabilizador em escala regional.
A primeira característica deste novo tipo de conflito reside na complexa combinação de fatores políticos, socioeconômicos, culturais, religiosos, geopolíticos etc. A crise da “economia de renda” da década de 1990 provocou uma diminuição drástica das receitas das exportações, num momento em que a imposição da “boa governança” econômica e política pelas agências internacionais exacerbava a crise social e a concorrência predatória no “novo mercado eleitoral”. Nas aéreas rurais, o agravamento dos conflitos fundiários acirrou as rivalidades entre sociedades de pastores e agricultores (Ruanda, Sahel) e entre agricultores de diversas origens (Costa do Marfim).
A crise do modelo econômico rentista e a exacerbação das tensões sociais, culturais, religiosas e étnicas questionaram a viabilidade do modelo do Estado-nação pós-colonial, cuja estabilidade político-institucional era em parte tributária da capacidade de distribuir recursos para redes clientelistas garantes da paz interna. A diminuição da renda redistribuída e, nos casos extremos, a aniquilação dos mecanismos de delegação de poder, intensificaram a concorrência entre os grupos beneficiando-se do sistema. As tensões para o acesso as rendas e a perda de controle sobre o território por parte dos Estados, desembocaram em conflitos violentos cujos atores, objetivos, escalas e consequências diferem dos conflitos tradicionais.
Os novos conflitos se singularizam também pelo seu caráter descontinuo no tempo e no espaço. Momentos de extrema violência alternam com períodos de relativa acalmia. A descontinuidade é também espacial, pois as frentes de batalha são raras. O território de conflito lembra um patchwork cujas áreas mais ativas são as menos controladas pelo Estado. A fluidez espacial da violência dos novos conflitos explica sua frequente transnacionalização e regionalização através do transbordamento de enfrentamentos internos (Somália, Sudão ocidental, Libéria, Nigéria setentrional etc.) para regiões periféricas dos países vizinhos. A regionalização dos conflitos levanta novas problemáticas. Aos fenômenos mais genéricos, como a crise socioeconômica e político-institucional, convém acrescentar especificidades regionais e nacionais que dificultam a leitura e a análise de conflitos, cujos limites são extremamente fluidos.
Neste cenário, as ferramentas conceituais e metodológicas e as chaves analíticas tradicionais não se revelam sempre operantes. O conceito de sistema regional de crises permite situar o conflito dentro de um contexto multidimensional, destacando sua dinâmica (histórica e espacial) e o papel dos atores que, através de suas estratégias e escalas de ação, operam de forma complexa e diferenciada. Como a combinação de crises econômicas, sociais, políticas, ambientais e culturais faz emergir zonas marcadas por formas de violência horizontais e verticais que se difundem de maneira relativamente fluida em espaços nacionais e transnacionais? Como os diversos subsistemas (focos de crises e conflitos) são alimentados pelo sistema central e de que maneira o alimentam? As inovações recentes na pesquisa geopolítica dos conflitos fornecem, portanto, ferramentas conceituais e metodológicas que serão mobilizadas para analisar e apreender a formação, desenvolvimento e transformação de conflitos africanos no tempo e do espaço.

Bibliografia básica
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